" Zazen e Budô "

 

Ao responder a Prova Escrita do seu exame de promoção para o 2. Kyu - Faixa Marrom, a Aluna Daniele Baum elaborou uma resposta, considerada por nós, muito boa para a questão, apesar de não ser conclusiva sobre o assunto, que é muito vasto e permite inúmeros questionamentos que podem levar a vida toda para serem respondidos, sua leitura e recomendada a todos, até como padrão de elaboração e pesquisa sobre os temas das questões.

Abraços!

 

Nelson Guimarães

 

Autora: Daniele Baum

 

 

Paralelo entre o texto e a prática de Karate.

Quem divulgou a fé da Metafilosofia Zen no Japão foram às classes Samurais, que se tornaram os novos soberanos desde a era de Kamakura (1192 – 1333 D.C.) até a era de Muromachi (1392 – 1573 D.C.). A situação social daqueles dias, durante cerca de 400 anos, se caracterizou por inquietações e perturbações. Naquele tempo, o povo parece Ter considerado que a vida da gente não merecia o ganho de um dia. Foi a era em que a gente experimentou na realidade a dignidade da sua vida e a dificuldade de viver. A paixão daquele tempo levou os militares a indagar acerca de como viver no mundo de guerra e incerteza. Foi o Zen que respondeu esta pergunta.

Há uma expressão Zen, “Jogue fora” e também há o princípio que responde à pergunta de “Como pensar em não pensar?” Com “Sem pensamento”. O espírito de Zen exige que não nos comprometamos com nada. Andar é simplesmente andar e sentar-se é só sentar-se, sem pensar nada. Isto quer dizer que exige da gente dedicar-se só a uma coisa. É formar uma vontade firme e uma intrepidez (coragem, valor) tenaz, aconteça o que acontecer. Os “Samurais” daquele tempo conseguiram coragem e energia, sentando-se (Zazen) sem pensar em nada e tendo o espírito de “Jogar fora”.

 

1.      ZAZEN e BUDÔ

 

O Zen salienta o cultivo da intuição e a realização do satori, que é um estado espontâneo de unidade com a natureza e com o universo alcançado através da prática sistemática da meditação. O Caminho do Guerreiro, Reid e Croucher, Ed.Cultrix

 

“Os efeitos do Zen são encontrados na vida e no trabalho de certos indivíduos e de vários pequenos grupos de pessoas, assim como os samurais ou a classe guerreira do Japão Feudal. Na história do Extremo Oriente, os frutos do Zen são as várias centenas de personalidades de tão notável grandeza que por si só podem testemunhar o valor do Zen.

 

... todavia, a despeito desse aspecto quase feroz, o quadro dá uma inquestionável impressão de profunda calma e suavidade, pois o caráter de todos os mestres zen mostravam esse paradoxo: a inamovível equanimidade e ilimitada compaixão do Bodhisattva, combinadas com a vitalidade brilhante e implacável do raio.

 

Assim como encontramos estes dois elementos distintos nos braços dos mestres Zen e de seus discípulos, constatamos que a civilização do Extremo Oriente foi influenciada pelo Zen em duas direções: na estética e nas artes militares.” O Espírito do Zen, Allan Watts, Ed. Cultrix.

 

“Pois o grande tesouro que não pode ser obtido a não ser com enorme sacrifício não é a Verdade: esta pode ser encontrada em todas as partes. O tesouro raro é a capacidade de ver a Verdade.

 

Os sábios do Oriente têm escolhido cuidadosamente seus discípulos... e a razão do seu segredo é que eles têm um enorme respeito e reverência pela sabedoria. A fim de obtê-la o homem tem de sacrificar tudo o que possui; tem de estar disposto a ir até o limite para mostrar que realmente deseja aprender e fazer bom uso desse conhecimento; em resumo, tem de provar que valoriza a sabedoria acima de todas as outras coisas, que a considera uma verdade sagrada que nunca deverá ser usada para fins inconfessáveis”. O Espírito do Zen, Allan Watts, Ed. Cultrix

 

“... quando o Período Edo – uma longa era de paz – seguiu-se à época dos generais litigantes, um novo conceito entrou nestas artes. Foi nessa época que a idéia de Budô veio à existência. Budô significa “via marcial” ou “caminho marcial”. é derivado da palavra chinesa tao e significa “um caminho através da vida”.

 

Ao adotar para si uma “via marcial” nessa época de paz, o guerreiro japonês comprometia-se, antes de qualquer coisa, a seguir um caminho de desenvolvimento espiritual por meio do treinamento marcial. A eficácia prática desse treinamento passou a ser secundária.

 

... entretanto, o bushidô ou “caminho do guerreiro” (código de ética do samurai) trata antes de tudo das atitudes mentais do guerreiro feudal.

 

Na verdade, o sentido de bushidô é o de fazer alguma coisa boa para o mundo, deixar no mundo uma marca benéfica, e depois ser capaz de desapegar-se do corpo humano e aceitar a morte. 

 

... a nuance de significado da palavra é a de que essa é uma via que exige responsabilidade; em outras palavras, é uma via na qual sua cabeça ou pescoço está em risco.

 

As diversas artes de cultivo pessoal são escritas com a palavra -. O sentido global, portanto, é o de que esse é o caminho correto a ser seguido pelos seres humanos.” O Caminho do Guerreiro, Reid e Croucher, Ed.Cultrix

 

“Muitos samurais que ignoram as leis de sua classe no cumprimento dos mandamentos de guerreiro não alcançam o sentido do vazio. Como resultado de suas confusões e perplexidades, consideram a indefinição, aquelas coisas que lhe parecem incompreensíveis, como o vazio. Naturalmente isso não é o verdadeiro vazio.

 

Para alcançar o entendimento do vazio, o samurai deve aprender de modo seguro os mandamentos da arte militar e, além disso, dominar perfeitamente as artes marciais, praticar com decisão e firmeza espiritual os deveres de samurai. E aperfeiçoar com tenacidade e diligência o espírito e a vontade, aguçando a capacidade de percepção e de visão, eliminando qualquer nuvem de dúvida. Só então conhecerá o verdadeiro vazio”. GORIN NO SHO, Miyamoto Musashi, Cultura Editores Associados.

 

“Vemo-nos presos à contradição de encontrar a vida em meio a um quebra-cabeça muito desconcertante, capaz de nos causar muitos sofrimentos; ao mesmo tempo, temos uma vaga consciência da natureza ilimitada, infinita da vida. Desta maneira, começamos a procurar uma resposta a esse enigma.

 

A primeira forma de procurar é buscar soluções fora de nós mesmos... Por trás de nossas fachadas agradáveis e amistosas ferve um constrangimento considerável. Se eu pudesse raspar o verniz e ir um pouco mais fundo do que a superfície de qualquer pessoa, encontraria medo, dor e uma profunda ansiedade desvairada. Todos temos métodos para encobrir tais sentimentos. Comemos demais, bebemos demais, trabalhamos demais, assistimos à TV demais. Estamos sempre fazendo algo para encobrir nossa ansiedade existencial básica.

 

O que de fato queremos é uma vida natural. Nossas vidas são tão artificiais que realizar uma prática como a do zen, no começo é bastante difícil. Porém, assim que começamos a vislumbrar que o problema da vida não é algo externo a nós, teremos começado a percorrer o caminho.

 

Entramos numa disciplina como a prática zen para podermos aprender a viver de modo lúcido. O zen tem quase mil anos e seus defeitos já foram corrigidos; embora não seja fácil, não é insano. É sensato e muito prático. Diz respeito à vida cotidiana. Refere-se a trabalhar melhor no escritório, a criar melhor as crianças, e estabelecer relacionamentos melhores. Levar uma vida mais lúcida e satisfatória deve decorrer de uma prática equilibrada e lúcida. O que desejamos fazer é encontrar uma maneira de trabalhar com a insanidade elementar que existe em função de nossa cegueira.

 

É preciso coragem para se sentar bem. O zen não é uma disciplina para todos. Precisamos estar dispostos a fazer algo que não é fácil. Se o fizermos com paciência e perseverança, com a orientação de um bom instrutor, então, aos poucos, nossa vida irá se aquietar, ficar mais equilibrada. Nossas emoções não serão mais tão dominadoras. Enquanto sentamos, descobrimos que a primeira coisa, a mais elementar, para trabalhar, é nossa mente caótica, ocupada. Estamos todos enredados num pensar frenético e o problema da prática está em começar a trazer esse pensamento para a claridade e o equilíbrio. Quando a mente fica limpa, clara, equilibrada, e não mais prisioneira dos objetos, então poderá haver uma abertura e, por um instante, nos daremos conta de quem somos na verdade.

 

... O zen é um estudo para a vida toda. Não é só sentar-se numa almofada durante 30 ou 40 minutos diários. Toda nossa vida torna-se uma prática, 24 horas por dia.” Sempre Zen, Charlotte Joko Beck, Ed. Saraiva.

 

Comentei, outro dia desses, que o Karate havia mudado minha vida. E a cada dia que passa, conforme penso sobre isso, me certifico mais e mais que esta é a pura verdade. Foi através da prática do Karate, como caminho de arte marcial, que iniciei minha jornada em uma nova forma de viver, que há muito procurava e que, tendo buscado em vários lugares, acabei encontrando.

 

“O mais importante é adquirir certa atitude mental conhecida como “sabedoria imóvel...” “Imóvel” não quer dizer duro, pesado e sem vida, como uma rocha ou um pedaço de madeira. Significa o mais alto grau de mobilidade ao redor de um centro que permanece imóvel... Há algo imóvel dentro de nós e que, não obstante, se move espontaneamente com as coisas que se apresentam diante dele”. Takuan, citado em O Espírito do Zen, Allan Watts, Ed. Cultrix